segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Perfil metabólico de Celíacos Brasileiros




Convidei o médico Dr Fernando Valério, especialista em Doença Celíaca, para fazermos uma entrevista ao vivo no Instagram, no dia 04 de agosto de 2020, abordando alterações metabólicas na Doença Celíaca.

Para ter uma conexão maior com a realidade da Comunidade Celíaca brasileira, fiz um questionário online, anônimo, para Celíacos diagnosticados através de exames específicos e maiores de 18 anos e divulguei nas redes sociais do Riosemgluten (Instgram e Facebook) durante dois dias no final de julho de 2020.

514 celíacos responderam as questões do questionário!

A grande maioria de participantes foi de mulheres - 93%

A idade variou bastante mas o grupo maior foi de pessoas entre 29 e 50 anos (solicitei que só maiores de 18 anos respondessem).



No momento do diagnóstico:
33,5% estavam acima do peso ou obesos
31,7% estavam com peso normal
32,9% estavam com baixo peso
e alguns não lembravam mais do peso no momento do diagnóstico.

Esses números representam um avanço pois a doença celíaca, até alguns anos atrás, não era investigada no grupo de pessoas com sobrepeso ou obesas. Havia uma cortina escondendo esse grupo. Até hoje ainda existem médicos que se recusam a investigar Doença Celíaca em pessoas acima do peso. Esse cenário finalmente está mudando.

Atualmente, após o início do tratamento com dieta sem glúten, esses números mudaram:
46,8% estão acima do peso ou obesos
39,7% tem peso normal
13,4% tem baixo peso


No grupo de celíacos.
18,1% fazem dieta para PERDER peso
6,4% fazem dieta para GANHAR peso



Muitas vezes ouvimos que o ganho de peso pode acontecer por causa da presença de alterações na glândula tireóide. O grupo que respondeu ao questionário está assim distribuido:
57,4% não tem alterações na tireóide
10,3% tem hipotiroidismo
8,8% tem Tireoidite de Hashimoto (doença autoimune)
19,1% não sabe se tem alterações da tireoide

e um outro pequeno grupo tem Doença de Graves, hipertiroidismo ou precisou fazer cirurgia para retirada da glândula tireoide.



Então é possível observar que o grupo com aumento de peso é bem maior do que o grupo com alterações na tireoide. Uma pergunta que fica é: 19,1% dos celíacos não sabem responder sobre o funcionamento da sua glândula tireoide. A prevalência de Tireoidite de Hashimoto entre celíacos é aumentada, pois também é uma doença autoimune. É preciso periodicamente acompanhar para que o diagnóstico precoce possa ser feito. Talvez alguns celíacos com aumento de peso ou baixo peso estejam nesse grupo que precisa acompanhar melhor como estão os hormônios da tireoide e seu funcionamento.

Ao verificar outras informações vimos que no grupo de celíacos que respondeu ao questionário temos:

51,8% tem pressão arterial normal
8,2% tem pressão alta
38,9% tem pressão baixa

Mas vimos também que 10,5% dos celíacos fazem uso de medicação para controle da pressão arterial.



Quando perguntados sobre os valores de glicemia de jejum 32,7% não souberam responder... O risco de diabetes autoimune é aumentado no grupo de celíacos. Seja o diabetes tipo 1 (diagnosticado em crianças e jovens), seja o diabetes tipo LADA, diagnosticado em adultos. Então, da mesma forma que celíacos precisam monitorar o funcionamento da tireoide, também precisam estar atentos ao funcionamento do pâncreas e a produção de insulina.

54,7% tem a glicemia de jejum entre 70 e 100, considerados valores normais. 8% declararam valores menores que 70, que já são considerados como hipoglicemia (algumas pessoas com resistência à insulina podem apresentar valores abaixo de 70, por isso a importância de sempre medir glicemia e insulina de jejum ao mesmo tempo, para saber se há alterações na produção de insulina).

Quando perguntados sobre diagnóstico de diabetes, 90,9% dos celíacos afirmam não ter , 7% tem pré-diabetes e 2,1% tem diabetes.



Na lista de exames de acompanhamento podemos observar há poucos pedidos de homocisteína, Proteína C Reativa ( comum ou ultrassensível) e insulina de jejum assim como a hemoglobina glicada e o zinco. O monitoramento da anemia (através do hemograma), das taxas de colesterol e triglicerideos (através do lipidograma) e da glândula tireoide parece estar mais consolidado (embora ainda precise melhorar - praticamente 20% dos celíacos não sabem responder se tem ou não alteração na glândula tireoide).



A doença celíaca é uma doença crônica e, justamente por essa característica, precisa de acompanhamento ao longo da vida do paciente. E estamos falhando nisso com certeza.

As alterações metabólicas que podem levar ao diagnóstico de SÍNDROME METABÓLICA - um conjunto de condições que aumentam o risco de doença cardíaca, acidente vascular cerebral e diabetes tipo 2 - podem estar presentes em pessoas gordas ou magras.

Segundo os critérios brasileiros, a Síndrome Metabólica ocorre quando estão presentes 3 dos 5 critérios abaixo:

1 - Ter triglicerideos alto (lipidograma)
2 - Ter HDL baixo (lipidograma)
3 - Ter aumento da pressão arterial ou tomar remédio para controle da pressão
4 - Ter glicemia de jejum acima de 110 ou ter diagnóstico de diabetes (ou estar fazendo uso de medicação para controle da glicemia)
5 - Ter a circunferência da cintura maior que 88cm (mulheres) ou 102cm (homens)

Existem outros fatores que associados, confirmam o diagnóstico de Síndrome Metabólica, como a presença de gordura no fígado e Resistência à Insulina.

Um dado que me supreendeu de forma positiva no questionário foi o fato de que 58,6% dos celíacos receberam orientação de um nutricionista sobre a dieta sem glúten. Há 20 anos esse atendimento no início do diagnóstico era algo raro e pouco lembrado pelos gastroenterologistas.



Resumindo:

Como interpretar esses dados? Tenho algumas hipóteses:

A - Celíacos diagnosticados e já em dieta sem glúten tem a mesma chance que a população em geral de apresentar alterações metabólicas. Precisamos aprender e falar sobre isso.

B - A dieta sem glúten precisa ser olhada tanto na questão de ser rigorosa (não furar a dieta e cuidar dos riscos da contaminação cruzada por glúten) quanto na sua composição (densidade nutricional).

C - Inflamação crônica de baixo grau. Além de nos tornar especialistas em manter a dieta sem glúten e fazer exames sorológicos periodicamente para garantir que não estamos produzindo anticorpos contra a gliadina ou contra nossos próprios tecidos e células, precisamos aprender mais sobre esse tipo de inflamação, que está ligada à permeabilidade intestinal alterada.

No grupo que respondeu ao questionário vimos:
10,5% fazendo uso de medicação para controle da pressão
9,1 % com pré-diabetes /diabetes
12,6% com obesidade

Não perguntei sobre os resultados de triglicerideos e HDL. Será que teríamos também algo em torno de 10% de celíacos com alterações no lipidograma?

A Síndrome Metabólica pode ser REVERTIDA quando diagnostica precocemente assim como pode ser PREVENIDA se estivermos atentos à ela.

Vamos usar nossa capacidade de autocuidado que aprendemos a ter em relação a ficar longe do glúten para também ficarmos longe da Síndrome Metabólica!

Raquel Benati - @rio_sem_gluten
03/08/2020

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